17 de maio de 2011

Anjos e Demônios

À primeira vista, o livro Anjos e Demônios, de Dan Brown, autor de
O Código da Vinci, pode parecer apenas mais um best-seller, e talvez tenha nascido com esta intenção, mas o leitor mais atento perceberá nas múltiplas questões nele abordadas, interligadas entre si, algo mais profundo, fruto das preocupações atuais e do mundo complexo construído pelo Homem.
Ciência, religião, terrorismo, fé cega, o papel da mídia nos acontecimentos que se desenrolam no cenário contemporâneo, são alguns dos temas que palpitam nas mais de quatrocentas páginas de adrenalina e reflexão, as quais cativam os que se aventuram a percorrê-las do começo ao fim. Esta é a marca principal desta ficção histórica, mesclar aventura e meditação, suspense e um mergulho profundo em matérias controvertidas, como a própria física quântica, explanada de uma forma tão simples e fascinante, que se torna acessível ao leitor não erudito.
Esta trama assinala a estréia do simbologista Robert Langdon, consagrado pelo público brasileiro em sua segunda aparição, no livro O Código da Vinci, obra que caiu no gosto popular e abriu caminho para seu antecessor, Anjos e Demônios. Este irresistível thriller tem como cenário principal o Vaticano, palco das disputas acirradas entre a Religião e a Ciência. Robert tenta desvendar quem está por trás de um aparente atentado ao centro nervoso do Catolicismo, atento ao provável retorno de uma antiga seita científica, considerada herege pela Igreja, e por ela perseguida no desabrochar da Ciência, os Illuminati. Até então se julgava que esta fraternidade ancestral encontrava-se extinta há pelo menos 400 anos.
De um lado, o CERN, centro do avanço tecnológico mundial, localizado na Suíça, representado pelo físico Maximilian Kohler; de outro, a Igreja, simbolizada pelo Camerlengo Carlo Ventresca, padre, assistente pessoal e confidente do antigo Papa, recentemente morto, prestes a ser substituído por um dos preferidos, candidatos submetidos à escolha do Conclave. O leitor é conduzido, junto com o protagonista, pelas histórias secretas dos Illuminati, pelos rituais presentes no Vaticano, nos bastidores dos conclaves, por uma viagem histórica que abrange desde a origem desta seita até os dias contemporâneos, que testemunham um novo e renovado confronto entre a Igreja e o conhecimento científico.
No período Renascentista a Ciência ganha um impulso acelerado, e a partir deste momento ela avança sem cessar. Neste contexto de progresso e conquistas inestimáveis é situado o suposto aparecimento dos Illuminati, um grupo de cientistas reunido em torno do que eles chamavam de Igreja da Iluminação. Eles se encontravam secretamente para debater os dogmas católicos e os descaminhos da instituição episcopal, que pretendia deter o monopólio da verdade. Eram os estudiosos mais esclarecidos da Itália, e logo passaram a ser perseguidos pela tirania clerical. Galileu Galilei era, segundo Dan Brown, um dos líderes desta seita, um pacifista que procurava conciliar sua fé, pois era católico inveterado, com a Ciência, para ele a linguagem que um dia traduziria a mais perfeita concepção de Deus. Era justamente a intervenção de Galileu que impedia a radicalização dos Illuminatus, que desejavam responder com violência às agressões sofridas pelo grupo.
Leonardo Vetra, o físico assassinado logo no início da trama, é uma espécie de Galileu do mundo moderno. Padre e cientista, ele procura conciliar suas duas paixões, a Religião e a Ciência, tentando provar cientificamente a existência de Deus, com o auxílio dos conceitos da física quântica e de sua filha adotiva, Vittoria Vetra, também genial pesquisadora científica. Infelizmente, ele paga um alto preço por suas convicções. Ao que parece, estas duas vertentes que, unidas, poderiam conduzir a Humanidade à verdadeira noção do Criador e à visão real do momento da Criação, preferem ainda caminhar separadas, como dualidades a princípio irreconciliáveis.
Em um determinado ponto da narrativa, fica claro para o leitor que tanto a Ciência quanto a Religião contribuíram, cada uma à sua maneira, para produzir o mundo caótico e materialista no qual vivemos, a civilização cética representada nesta história pelo povo que transborda da Praça de São Pedro no auge dos acontecimentos. Nela são fabricados loucos e fanáticos dos dois lados. Dan Brown parece defender, em sua obra, o equilíbrio e a união de esforços entre estas duas esferas, sem os quais a Humanidade corre o risco de se autodestruir, levando na bagagem destrutiva sua própria morada, a Terra.
A Ciência, a despeito de sua materialidade intrínseca, parece caminhar quase involuntariamente para provar que no Universo tudo se intercomunica, todas as coisas se encontram interligadas, perpassadas por uma essência energética, questões estudadas hoje pela Física do Entanglement, ou do emaranhamento. Tanto místicos quanto biólogos e psicólogos já se deram conta dos momentos de extrema lucidez mental produzidos pelos estados alterados de consciência, como dizem os adeptos da Biologia; pela consciência elevada dos gurus e por instantes de superpercepção, como os estudiosos da mente humana preferem denominar. Estes são ainda raros ensaios de compreensão e de possível junção da Ciência com concepções espirituais, pois ainda predomina, de ambos os lados, a velha intolerância.
A Igreja continua a conquistar seus fiéis semeando a dúvida e o medo, enquanto a Ciência se alimenta do ceticismo provocado pelas questões que o clero não consegue mais responder satisfatoriamente, uma vez que continua a recorrer aos antigos dogmas, cada vez menos aceitos por pessoas minimamente esclarecidas. Esta trama toca em pontos delicados, mas necessários, abordando corajosamente questões que não podem mais
continuar à margem das discussões intelectuais e espirituais que pontuam os debates modernos. Estes temas se tornam, através da maestria narrativa de Dan Brown, perfeitamente acessíveis ao leitor comum. Ele sabe como criar uma ficção saborosa, irresistível e inteligente, como despertar nos que enveredam por suas linhas um desejo incontrolável de devorar cada página sem parar.
Dan Brown se supera, mais uma vez, neste thriller fascinante. O autor, apaixonado pelo poder dos símbolos e pela história da Arte, é casado com a pintora e historiadora de arte Blythe, que é também sua assessora nos temas artísticos de seus livros.

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